INTRODUÇÃO


Da perspectiva da Composição em Tempo Real, o gesto criativo não pode resultar de uma intenção ou projeção pessoal. Tem que ser a consequência de um encontro. Um encontro com um tempo, um espaço, um outro, uma coisa, um afeto... A força desse encontro, a sua importância e influência, é diretamente proporcional à capacidade que este tem para suspender a nossa trajetória, por milésimos de segundos que sejam, e gerar a dúvida, o espanto.

A Composição em Tempo Real dá-nos as ferramentas necessárias para prolongar o tempo de abertura dessa brecha e assim, adiando a resposta, formular a pergunta que nos inquieta. É essa suspensão que nos possibilita manter a equidistância entre inquietação e situação para assim descobrir, no meio do ruído, do excesso e do desperdício que nos rodeia, aquilo que de facto nos afeta, nos toca e nos move. O treino incide exatamente neste ponto: na capacidade que temos de adiar a resposta e, simultaneamente, não deixar o tempo passar, não perder o tempo, não perder tempo... Ou seja, na capacidade que temos de suspender o tempo em vez de nos imobilizarmos perante ele.

O maior desafio da Composição em Tempo Real é ativar a capacidade de nos olharmos de fora enquanto o acontecimento se desenrola e se oferece. Ao ganharmos distância, mesmo enquanto somos “matéria” (sobretudo enquanto somos “matéria”), reparamos em detalhes e relações que nos passariam completamente “ao lado” se dependêssemos exclusivamente dos nossos padrões habituais de percepção, possibilitando o acesso a novas formas de nos tornarmos sensíveis ao mundo.